Povos indígenas: Covid-19 cancela ritos e ameaça cultura com morte de idosos

Covid-19 cancela ritos e ameaça cultura com morte de idosos

Publicado em 25/07/2020 15:02 Por Maíra Heinen - Brasília

Festas importantes canceladas. Velórios e outros rituais fúnebres suspensos. O novo coronavírus chegou para populações indígenas atingindo não apenas a saúde, as organizações sociais e econômicas, mas também a cultura.


Atualmente, segundo dados da Apib, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, mais de 570 indígenas morreram de covid-19. Segundo a Sesai, são mais de 240 mortes, mas a Secretaria contabiliza apenas os casos em terras indígenas homologadas.


Entre as vítimas fatais, estão idosos detentores de grande conhecimento e sabedoria, responsáveis por transmitir, pela oralidade, um mar de conhecimentos ancestrais. Assim, as perdas são ainda mais pesadas para as comunidades.


Watatakalu Yawalapíti, uma das lideranças do Alto Xingu, traduz o significado da morte dos anciões.


“É uma tristeza tão grande, os nossos livros estão indo embora. E essas pessoas que levaram a doença para dentro são páginas vazias, fazendo com que as páginas cheias de histórias e tradições partam”.


Em Pernambuco, o povo Fulni’ô também se despediu de muitos idosos por causa do coronavírus. Maike Sá, sociólogo e artesão do povo Fulni’ô, explica porque a partida de idosos é tão sentida na comunidade.


“Os avós, é meio que tradição eles serem responsáveis pela transmissão de conhecimento pelos netos. A respeito da cosmovisão de mundo, como essa cosmovisão se relaciona com o cotidiano do povo. Então, nesse sentido, os avós são responsáveis, talvez até mais que os pais, pela educação de seus netos. Para ensinar o mundo Fulni’ô para os seus netos”.


Além do impacto de perder figuras importantes em cada aldeia, muitas comunidades se viram impedidas de realizar rituais significativos. Foi o caso do Kuarup, no Xingu. Na língua Kamaiurá, Kuarup significa “Alegria do Sol”. O ritual é feito após um longo período de luto, pela perda de um familiar, e vem como última despedida da pessoa que fez a sua passagem.


O evento ficou para o próximo ano. Watatakalu explica como se deu o adiamento do ritual, que reúne todos os anos cerca de 5 mil pessoas, entre participantes e convidados.


“Cada povo teve a sua autonomia de cancelar. Então a ideia era essa, de não juntar todo mundo para não contaminar. O meu povo foi um dos que cancelou primeiro. O meu cacique foi um dos que decidiram que não ia ter Kuarup esse ano. A gente tinha que fazer o Kuarup da minha avó, da mão do nosso cacique, e ele cancelou para tentar proteger o nosso povo”.


Entre os membros do povo Pankará, em Pernambuco, também houve suspensão de rituais pelo medo da transmissão da Covid-19. Muitas rezas, antes feitas em grandes rodas, com cânticos e dança, agora estão suspensas, como conta a pedagoga e professora Sandriane Pankará.


“Num momento de ritual há uma aproximação muito grande na hora de dançar o Toré, de fazer os trabalhos. E foi cancelado. Então a gente sofreu um impacto muito grande com a pandemia”.


No Amazonas, algumas comunidades também cancelaram eventos como o ritual da moça nova, dos Ticuna. A bióloga Taciana Carvalho, professora da Universidade Federal do Amazonas, integra um grupo multidisciplinar que acompanha algumas populações indígenas no estado. Ela observa que a decisão de suspender ou não os rituais depende muito de cada aldeia.


“Algumas famílias mantém a tradição, outras comunidades não estão permitindo a realização. Temos muitas comunidades aqui, depende do contexto existente”.


Muitos povos indígenas veem a Covid-19 não como doença espiritual, mas como consequência do desequilíbrio causado pelo próprio homem. Assim como os ancestrais, vão lutar contra mais uma doença desconhecida que chega de repente. E, como os antepassados, vão resistir para manter a vida e as tradições.

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