Migração de venezuelanos afeta comércio na região de fronteira

Migração de venezuelanos afeta comércio na região de fronteira

Publicado em 26/02/2019 13:13 Por Victor Ribeiro - Pacaraima, Roraima

Como um importante centro comercial na Venezuela, perto da fronteira com o Brasil, se transformou numa cidade fantasma? E como o aumento populacional afetou os serviços no lado brasileiro? Na segunda reportagem especial sobre o êxodo de venezuelanos, o repórter Victor Ribeiro esteve em Pacaraima e em Santa Elena de Uairén, e conta como a crise migratória afetou o comércio na região.

Ao sair de Pacaraima, em Roraima, em direção à Venezuela, passamos por três fiscalizações: uma barreira sanitária no Brasil e dois pontos de controle, um de cada lado da fronteira. Antes do fechamento da fronteira, na semana passada, o trânsito de brasileiros era livre.

Na Venezuela, o acostamento da estrada é tomado por homens que oferecem maços de bolívares, por R$ 10 ou R$ 20. O câmbio paralelo funciona sem qualquer controle do governo. Mas não é preciso trocar dinheiro: o comércio na região de fronteira anuncia os preços em reais. Para negociar mercadorias com bolívares, os comerciantes usam máquinas que contam grandes quantidades de cédulas.

Logo depois existe uma base militar abandonada e uma subestação de energia elétrica, com um forte esquema de segurança. É dali que sai metade da eletricidade consumida no estado de Roraima. Com o fechamento da fronteira, o governador Antonio Denarium demonstrou preocupação com o abastecimento de energia e de combustível.

O governo federal tem um plano de contingência para fornecer óleo às termelétricas durante dez dias, se necessário. Mas a falta de gasolina também preocupa. Pacaraima não tem posto de combustível porque o litro da gasolina do outro lado da fronteira custa o correspondente a R$ 0,10 o litro.

Ainda na estrada, um aeroporto estatal. O terminal de Santa Elena de Uairén é estratégico para quem quer chegar à capital sem gastar muito dinheiro. Ida e volta, de Brasília para Caracas, custa de R$ 3 mil a R$ 45 mil. Saindo de Manaus o preço reduz um pouco: fica entre R$ 1,8 mil e R$ 16 mil. A bordo de um avião do governo da Venezuela, a viagem da região de fronteira até Caracas custa o equivalente a R$ 40.

Foram 15 quilômetros até chegarmos ao nosso destino, o centro de Santa Elena de Uairén, onde encontramos mais da metade das lojas fechadas. As que ainda funcionam são ligadas ao setor de petróleo e derivados, como o plástico.

O petróleo sempre foi a locomotiva econômica do país.

Conversei com Anahís Uribe, pouco antes do fim do expediente, na loja em que ela vende produtos feitos de plástico.

Sexta-feira, duas horas da tarde. As poucas lojas que resistiram à crise econômica e política baixam as portas na cidade de Santa Elena de Uairén, na Venezuela. Em 2011, quando ocorreu o último recenseamento da população, Santa Elena de Uairén tinha 30 mil habitantes. Apesar de não haver dados oficiais, a impressão é de que hoje a população é bem menor. Exatamente ao contrário do que ocorreu do lado brasileiro da fronteira.

De acordo com o IBGE, em 2017 Pacaraima tinha 12,3 mil moradores. No ano passado, já eram 15,6 mil. O crescimento de 26% fez de Pacaraima a cidade com o maior crescimento populacional, entre todos os municípios brasileiros.

Voltamos ao Brasil pouco depois da hora do almoço e encontramos o comerciante Ricardo Sobral reabastecendo as bandejas num pequeno restaurante ao lado da Rodoviária Internacional de Pacaraima. Por R$ 15, o cliente pode se servir à vontade. Ricardo mudou para Pacaraima no meio do ano passado.

A região central de Pacaraima lembra o comércio popular do Brás, em São Paulo, ou da Saara, no Rio de Janeiro. Uma das lojas chama a minha atenção. Em uma área que não chega a 30 metros quadrados, os fardos de arroz, feijão e papel higiênico se espalham. Alguns chegam ao teto e outros ocupam parte da calçada.

Com termômetros na casa dos 30º graus Celsius (ºC), a sensação é claustrofóbica. Mal se pode circular pelo estabelecimento onde é possível encontrar itens básicos que estão em falta no país vizinho.

O dono é o peruano Miguel Ángel Navarro, que mora no Brasil há 26 anos. Sentado em um dos fardos de arroz, na entrada da loja, ele comemorava o aumento nas vendas.


"Aumentou. Os três últimos anos aumentou aqui em Pacaraima. Arroz, açúcar, óleo… Tudo o que é artigo de primeira necessidade."

Encontrei um venezuelano que atravessou a fronteira e preferiu não se identificar. Ele contou como foi a última conversa que teve com a esposa, que ficou na Venezuela.

"Já faz dois dias que ela me ligou. Disse que as crianças estão com fome e não têm o que comer. Eu me sinto mal, porque os deixei lá. Mas vim com a intenção de trabalhar para enviar dinheiro a eles. Ando pedindo esmola na rua e recebendo desprezo e humilhação."

A Venezuela possui as maiores reservas de petróleo do mundo. Mesmo assim, a crise política provocou uma verdadeira tragédia econômica. No ano passado, em um só dia, a moeda oficial, o bolívar, chegou a perder 96% do valor. E, para este ano, a previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) é que a inflação no país alcance inacreditáveis 10 milhões por cento.

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